A memória leva e lava, ficando apenas acontecimentos com significância entranhada. Os nossos cérebros sabem bem distinguir o que deve ser lembrado, mesmo que nós não, tenho, hoje, na ponta dos dedos o dia em que nos encontrámos os 2 pela primeira vez.
Não sei porquê escolhemos aquele sítio. Nunca gostei daquele barulho de fundo.
Eu estava fora de órbita, tinha outras coisas na cabeça, nem sei o quê, e tinha resolvido ir ali, ter contigo porque sim.
Enquanto nos estávamos a sentar, olhei de soslaio para o meu relógio para tentar mentalmente contar 20 minutos. Eram os 20 minutos que iam durar aquele encontro, tinha eu definido, com arrogância, assim que olhei para ti com os olhos de teenager e achei que 20 minutos naquele encontro iam ser mais que suficientes. Não te disse nada, mas havia de inventar qualquer coisa, em cima da hora, como era típico.
Voltei então cordialmente a olhar-te nos olhos, para seguir a conversa que tinhas esforçada e levemente começado para me entreteres.
É a tua cara ali à minha frente que a minha memória reteve. Estávamos numa mesa lateral que nos separava do piso de baixo.
Os 20 minutos seguintes foram uma espécie de hipnotismo. Não faço ideia do que disseste, esqueci-me da minha contagem mental do tempo.
Perdi-me na tua voz, depois no teu conteúdo, no teu sorriso rasgado, nas tuas exclamações agudas, nas tuas historietas, naquela envolvência sedutora. Perdi os olhos também pelo colarinho da tua camisa, que suspeito que seria de xadrez verde roçado, iguais às que ainda usas, nos teus braços e mãos, no teu cabelo onde me apetecia pregar as minhas mãos, depois nos teus lábios. Tentei abstrair-me e parar a máquina que fazia rodar o filme que estava a ver, pois tudo me pareceu bom demais para ser meu. Lá estava a insegurança de teenager que hoje em dia, já perdi.
Deixei de ouvir o barulho de fundo a certa altura. Não consigo ter ideia de quanto tempo ficámos a ali, mas foi muito, muito mais de 20 minutos. Não me lembro de falar muito.
Quando voltei aos meus sentidos, continuava a ouvir a tua voz, retive umas 2 ou 3 palavras da conversa, e vi uns olhos meigos tão rasgados como o sorriso que me olhavam, e que não soube interpretar.
Aqueles lábios foram meus mais tarde, numa noite. Mas isso é o resto da história.
Um dia que alguém ponha em palavras o resto desta história, que saiba que não foi nem neste dia, nem no outro do “kiss”, que me apaixonei por ti, e que não deixe de fora o “pormenor” de que tu pensas demasiado, o que te torna irremediavelmente especial.